Veja quanto o mar pode invadir o RJ até 2100 e por que praias como Ipanema e Copacabana estão em risco, segundo estudo da UFRJ

Modelagem inédita da Coppe simula impacto das
mudanças climáticas no litoral. Avanço do mar pode tornar inundações
permanentes e afetar praias, manguezais e áreas urbanas.
As praias mais famosas do Rio de Janeiro já
sofrem os efeitos do avanço do mar e da erosão costeira – e o cenário pode
piorar. Copacabana, um
dos principais cartões-postais do Rio, já perdeu cerca de 10% de sua faixa de areia nos últimos 10 anos.
Simulações feitas por pesquisadores da Coppe, instituto
de pós-graduação e pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), indicam
que, até o fim do
século, o mar pode avançar mais de 100 metros sobre o Rio — o suficiente para transformar
inundações sazonais em permanentes.
A projeção foi feita com base em um estudo de
modelagem hidrodinâmica (entenda abaixo) a partir da tese de doutorado da pesquisadora
Raquel Santos, com coordenação do oceanógrafo Luiz Paulo de Freitas Assad,
professor do Programa de Engenharia Civil da Coppe e do Departamento de
Meteorologia da UFRJ.
Os impactos da elevação do nível do mar foram
medidos da orla do Leblon à Baía de Guanabara. O estudo foi antecipado pelo
jornal O Globo e o g1 também teve acesso.
O que pode
acontecer com as praias
O modelo indicou que o nível médio do mar pode subir 0,78
metro até 2100, com uma taxa
de elevação de 7,5 mm por ano na costa
do Rio — um valor superior à média global.
A projeção de avanço de até
100 metros considera não apenas a elevação do nível
médio, mas também a intensificação de eventos extremos, como ressacas, que
aceleram a erosão e reduzem a faixa de areia.
Além da redução da faixa de areia em Copacabana e a
vizinha Leme, o estudo apontou que outras praias da Zona Sul — como Ipanema, Leblon e Botafogo — também
devem encolher nas próximas décadas até 80 metros. Em eventos como maré alta e
ressaca, o mar pode avançar outros 60 metros.
Além do aumento do nível médio, a pesquisa destaca
que as praias do Rio, por estarem cercadas por construções e infraestrutura urbana, não têm espaço para recuar naturalmente, o que agrava o risco de
perda definitiva da faixa de areia.
A pesquisa também projeta aumento do espelho d’água
nas lagoas costeiras, como a Lagoa Rodrigo de Freitas, e risco de desaparecimento de áreas de manguezal, como a APA de Guapimirim.
Mais do que a perda de território, o estudo alerta
para um risco mais grave: o mar permanecerá por mais tempo nas áreas alagadas.
O que hoje é uma inundação sazonal pode se tornar
permanente, alterando o uso do solo e afetando diretamente a infraestrutura
urbana.
“O aquecimento dos oceanos, a expansão térmica e o
aumento do nível do mar são consequências diretas. Isso tudo altera a força das
ondas, as marés e acelera a erosão costeira”, afirma Luís Assad, oceanógrafo e
professor do Programa de Engenharia Civil da Coppe e do Departamento de
Meteorologia da UFRJ.
Segundo o Índice de Vulnerabilidade Costeira (IVC)
calculado no estudo, mais de 75% da
costa entre a Bahia e o Rio Grande do Sul apresenta alta vulnerabilidade à
elevação do mar.
A costa do Rio está entre os trechos mais críticos, devido à densidade urbana, à ocupação costeira e à baixa capacidade de
adaptação.
Soluções existem,
mas exigem planejamento
Segundo Luis Assad, é possível
mitigar os impactos do avanço do mar, desde que
haja ações coordenadas. Ele divide os caminhos em dois eixos: global e local.
No plano global, é
essencial reduzir a emissão de gases de efeito estufa,
como preveem os acordos internacionais.
No local, ele cita
soluções de engenharia costeira:
·
engordamento artificial da faixa de areia;
·
instalação de recifes
artificiais;
·
construção de moles –
estruturas de contenção no mar, geralmente feitas com pedras, concreto ou
blocos artificiais, e posicionadas próximas à costa, bocas de rios ou porto.
“Mas, antes de qualquer ação, é preciso entender
como o oceano está se comportando. Estudos como esse são fundamentais para
prever o impacto dessas obras.”
O pesquisador lembra o caso de Balneário Camboriú
(SC), onde a faixa de areia foi ampliada artificialmente, mas o mar continuou
avançando.
“As mudanças climáticas não afetam só o nível
médio. Elas aumentam a frequência e a intensidade de eventos extremos, como
ressacas e tempestades. Se isso não for considerado, a obra pode não
funcionar.”
E os banhistas?
Há risco?
O professor destaca que os frequentadores de praia
também devem se preocupar com o mar — hoje e no futuro. O comportamento das
correntes já representa risco, principalmente em locais com bandeiras
vermelhas. A tendência é que esses eventos se tornem mais frequentes.
“O banhista deve se preocupar com o que já deveria
se preocupar hoje: respeitar o mar. Observar bandeiras vermelhas, por exemplo, porque
já existem correntes perigosas. O que muda é que, com o tempo, eventos extremos
vão ser mais frequentes e mais intensos."
Como foi feito o estudo
O trabalho dos
pesquisadores é o primeiro no Brasil a aplicar modelagem hidrodinâmica
regionalizada com esse nível de detalhamento para prever os efeitos das
mudanças climáticas no litoral.
➡ A
modelagem hidrodinâmica é um ramo da engenharia que utiliza modelos
computacionais para simular o comportamento da água em diferentes ambientes,
como rios, lagos e oceanos.
Para entender
como as mudanças climáticas podem afetar o litoral do Rio de Janeiro, os
pesquisadores da UFRJ usaram uma ferramenta chamada ROMS (sigla em inglês para
Sistema Regional de Modelagem Oceânica).
Esse sistema
funciona como um “simulador do oceano”: ele usa dados reais e fórmulas
matemáticas para prever o comportamento do mar ao longo do tempo.
A simulação
seguiu um cenário climático chamado RCP4.5, que representa uma situação
intermediária de aquecimento global — nem a mais grave, nem a mais leve — e é
amplamente usado por cientistas do IPCC, o painel climático da ONU.
“A ideia foi
usar modelagem computacional para entender como um fenômeno global, como as
mudanças climáticas, pode atuar localmente, numa região específica como o Rio”,
explica Assad.
Ele defende
ainda o investimento público em sistemas de previsão e alerta para proteger a
população durante ressacas, frentes frias e outros eventos extremos.
Fonte: G1
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